Chem Sex: Alguns Pontos

Fabio Carezzato

O uso de drogas associado a relações sexuais não é uma novidade. Remete aos bacanais da Grécia e Roma antigas, em que o uso de vinho contribuía para atmosfera do culto ao deus dos excessos e que alguns historiadores associam a festas sexuais, apesar da veracidade dessa característica ser controversa entre os pesquisadores. Por outro lado, parece certo de que o carnaval é uma derivação dessas festividades, criado a partir da cristianização da comemoração, a situando as vésperas da quaresma que iria perdoar através da penitência todos os pecados cometidos nos dias anteriores.

O fato é que há muitos séculos a liberdade sexual está atrelada aos efeitos de substâncias. Isso fica ainda mais claro nos tempos mais recentes, em que se produz uma moralidade em que tanto os prazeres da carne quanto o uso de substâncias estão excluídos.

Assim, cria-se uma situação em que tanto a alteração do estado de consciência pode propiciar a busca por experiências sexuais ao aliviar o juízo, quanto a marginalização da sexualidade faz com que os espaços ligados a ela sejam também cenários de outras práticas proscritas, como o consumo de drogas.

Essa intrínseca ligação entre prazer e uso de substâncias traz diversas reflexões importantes, por exemplo a discussão sobre controle dos corpos e o uso de drogas como uma forma de resistência.  O caso das mulheres que buscam um prazer possível e uma apropriação de sua sexualidade e de si mesmas a partir do uso de drogas já foi foco de alguns trabalhos. (Gomes, 2010; Malheiro, 2019)

Retomemos, porém, a ideia do consumo de drogas para fins associados ao ato sexual em si. É possível pensar em diversas situações modernas em que isto ocorre.

A começar pelo uso de álcool, que pode desempenhar diversas funções. Enquanto o hábito de beber pode com o tempo resultar em uma diminuição da libido, durante a intoxicação aguda geralmente aumentam o desejo sexual. O efeito depressivo sobre as áreas do cérebro responsáveis pela crítica e tomada de decisões, pode inicialmente criar uma desinibição que facilita o encontro de parceiros, mas também propiciar situações de sexo desprotegido ou associado a outros riscos.

O álcool em certa dose pode propiciar um relaxamento que facilita as respostas aos estímulos sexuais, como ereção, lubrificação e orgasmos, mas em doses mais altas pode atrapalhar.

O uso de maconha e seus derivados também é comum. Fumando-a pode-se aumentar a sensibilidade tátil, retardar a ejaculação, facilitar o orgasmo feminino e aumentar a intensidade do clímax para homens e mulheres. Seu consumo para fins sexuais é tão disseminado que produtos específicos como gel lubrificante a base de cannabis são disponíveis no mercado.

A cocaína também é conhecida por aumentar a excitação sexual. O efeito paradoxal de dificultar substancialmente a ereção e, também, certa sensação de onipotência proporcionado por ela, cria relações peculiares entre a droga e a sexualidade. Na clínica, é comum escutar de pacientes que desenvolveram uma relação problemática com a droga que durante a intoxicação ficam se masturbando ou assistindo a pornografia, ou mesmo que chamam profissionais do sexo sem conseguir consumar a penetração.

Menos comum é o uso de drogas psicodélicas para transar. Em geral, elas são utilizadas neste contexto por pessoas que estão buscando uma alteração sensorial ou uma exploração perceptiva e/ou psíquica. Seus efeitos têm diversas singularidades concernentes à relação sexual. Se por um lado o ecstasy/MDMA aumenta o prazer nos estímulos táteis e é conhecido por sua atuação como empatomimético, aumentando a sensação de conexão e amor pelas outras pessoas, por outro ele também prejudica a ereção e não parece incrementar o desejo sexual propriamente dito, pelo contrário. Os psicodélicos clássicos podem alterar toda a experiência da relação, seja pela sensopercepção, seja pelo fluxo de pensamento que inclusive dificulta a manutenção do foco.

Já há algumas décadas a indústria farmacêutica também fornece drogas endereçadas a performance sexual masculina. No final do século passado, antidepressivos começaram a ser prescritos para tratar ejaculação precoce e/ou diminuir a ansiedade que poderia impactar no ato sexual e também foi lançada a sildenafila (Viagra) com indicação específica para disfunção erétil.

Se até agora falamos do uso de drogas para incrementar ou estimular o ato sexual, seu consumo também está relacionado a suportar certas situações. É prevalente o abuso de álcool, cocaína ou medicamento por mulheres que exercem a prostituição como meio de aguentar a atividade e aplacar sofrimentos associados a ela. Também é comum pessoas sob violência sexual ou que sofreram abuso desenvolverem um consumo regular e muitas vezes problemático de substâncias. Estima-se que até 70% das mulheres que buscam serviços de cuidado para uso problemático de substâncias foram vítimas de abuso físico ou sexual durante a infância (Jarvis et al., 1998).

Aqui pretendemos discutir a prática de uso de drogas direcionada para relações sexuais pela população de homens que fazem sexo com outros homens (HSH). Como discutiremos a seguir, há uma complexidade nesse contexto de uso em que se misturam tanto a busca de amplificar as sensações associadas ao sexo quanto amenizar as inseguranças os traumas relacionados.

Festas eletrônicas e o uso de drogas

Há um circuito mundial de festas de música eletrônica em lugares fechados em que o público principal é de homens cisgênero homossexuais (Mattison et al., 2001). Nelas, mais da metade das pessoas faz uso de party drugs como ketamina, GHB e ecstasy (Camacho et al., 2004). Apesar de desconhecer estudos em nosso meio, podemos crer que esse contexto se repete no Brasil. O uso dessas substâncias está associado a comportamentos sexuais de risco, como sexo desprotegido, grupal e com pessoas desconhecidas (Theodore et al., 2014; Mansergh et al., 2001).

Um estudo populacional inglês apontou que homens homo e bissexuais tem tendência 3 vezes maior de usar drogas ilícitas do que homens heterossexuais (Office for National Statistics, 2014) e que 25% dos HSH que passavam em clínicas de saúde sexual relatavam uso de 3 ou mais tipos de drogas recreativas diferentes nos últimos 3 meses (Sewel et al. 2017). Essas clínicas são onde se fazem o acompanhamento de ISTs e, também, onde são disponibilizadas profilaxias pré e pós exposição ao sexo desprotegido.

Com esta prevalência mais comum de uso de drogas neste grupo, não é de se estranhar que a prática de Chem Sex seja mais frequente entre HSH. O Chem Sex, Sexo Químico, é descrito como o uso de drogas específicas de forma planejada antes ou durante o sexo para facilitar, iniciar, prolongar e intensificar o ato.

As drogas mais associadas com Chem Sex são a Ketamina, o GHB, a Mefedrona, a Metanfetamina e Poppers (nitritos de amila, pentila, isobutila, isopropila) além das drogas industrializada para ereção, como sildenafila (VIAGRA) e tadalafila (Cialis).

A ketamina é utilizada para retardar a ejaculação e por seu efeito anestésico, diminuindo a dor durante a penetração anal. Além disso pode alterar a sensopercepção ao longo da relação sexual. Em estudo recente a ketamina foi apontada como a única droga em que houve uma diminuição de consumo em homens gays da Inglaterra entre 2013 e 2016. Já as demais drogas relacionadas com o Chem Sex registraram os maiores aumentos, com o uso de mefedrona aumentando por volta de 30% enquanto de GHB e Metanfetamina aumentaram 50% nesses três anos. (Sewell, 2018) É interessante pensar hipóteses para esse fenômeno: é possível que o fato da ketamina ser a única droga psicodélica (mesmo que atípica) listada neste estudo contribua para essa diferença.

Existe um grupo de drogas cujo uso associado ao ato sexual é facilmente justificado pelos efeitos diretos sobre o corpo. Os nitritos conhecidos como Poppers tem ação sobre a musculatura lisa, causando relaxamento do esfíncter anal e, assim, facilitando a penetração. Já a sildenafila e suas sucessoras no tratamento da disfunção erétil são utilizadas de forma recreativa para manter ereções por tempos prolongados e permitir relações consecutivas.

Já o GHB além de também facilitar a ereção e orgasmo masculinos, tem como efeitos aumentar a libido, alterar a sensibilidade e promover a desinibição. Um estudo que entrevistou homens e mulheres que faziam uso de GHB para fins sexuais observou que enquanto as principais razões para o uso eram alcançar estados alterados de consciência em que os problemas eram deixados de lado, o principal fator relacionado ao uso frequente e no último mês foi o de aumento de performance sexual. Neste caso, também se observou uma significativa diferença entre os gêneros, pois principalmente o público masculino reportava o uso do GHB por este motivo.

Independente da orientação sexual, a performance durante o ato é uma questão que geralmente traz preocupação para o público masculino. O uso dessas drogas ilustra de alguma forma a necessidade de tornar fácil ou descomplicar a relação sexual.

Independente da orientação sexual, a performance durante o ato é uma questão que geralmente traz preocupação para o público masculino. O uso dessas drogas ilustra de alguma forma a necessidade de tornar fácil ou descomplicar a relação sexual. Este tópico merece um estudo mais detalhado.

Outro ponto que merece a atenção é a opressão e estigma sofridos pelos HSH. Um estudo que investigou os motivos desse grupo para comparecer a festas de música eletrônica e para o uso de drogas encontrou razões diferentes para ambos os comportamentos. Enquanto as razões elencadas para ir a festa eram comuns, como se divertir, estar com os amigos ou aproveitar a música, as razões para o uso de drogas eram mais singulares. A mais indicada, por 72% dos entrevistados, foi para ter relação sexual. Em seguida vieram “ficar desinibido e selvagem” e “ter uma experiência gay intensa”. (Ross et al., 2003)

Dessa colocação podemos extrair tanto uma reação a repressão de seu comportamento e sexualidade, com o uso de drogas para possibilitar vivê-las, como uma certa identificação com uma imagem que envolve o uso de drogas e um descontrole. Diante da marginalização do desejo sexual, o sujeito encontra a possibilidade de entrar em contato com isso a partir de um rompimento com a censura.

Metanfetamina

O uso de metanfetamina, também conhecida como Meth, Crystal e Tina, tem diferentes contextos fora do Brasil. Nos Estados Unidos, está associado a áreas rurais e mais pobres com taxas maiores de desemprego e vulnerabilidade social. Tanto no EUA como na Oceania é registrado um uso significativo de metanfetamina em populações nativas, como os Navajo ou Maori. No país norte-americano, por exemplo, o uso de metanfetamina entre pessoas maiores de 12 anos originárias dos povos nativos chega a 2,4%, enquanto na população geral esse número é por volta de 1% (SAMHSA, 2020).

Mesmo essa proporção da população geral, de 1 a cada 100 pessoas que fez uso da metanfetamina em 2019 nos EUA, mostra que a disseminação da droga nesse país é de outro nível. A prevalência de transtorno por uso de metanfetamina chega a 0,6% da população americana (SAMHSA, 2020).  Em comparação o III LENAD aponta que 0,3% da população brasileira fez uso de crack nos 12 meses que antecederam o estudo (Bastos et al. 2017). Diante disso, podemos entender que a questão da metanfetamina é de outra ordem nesse país em comparação com o Brasil.

Porém, globalmente, o que se tem observado é o aumento alarmante do uso da metanfetamina para a prática de Chem Sex na população de HSH. Como mencionado anteriormente, essa população já tem, por diversos motivos, uma maior exposição para o uso de drogas. Em comparação com as outras drogas, a metanfetamina tem chamado a atenção por apresentar maiores riscos.

Alguns estudos têm observado um uso proporcionalmente maior dessa droga em HSH soropositivos em relação àqueles que são soronegativos. Se por um lado podemos pensar que existe uma maior exposição quando se faz sexo intoxicado, por outro há um elemento importante de mantermos em vista: muitas vezes a descoberta da infecção pelo HIV é marcadamente para vários pacientes o início da relação descontrolada com as drogas. De qualquer forma, é alarmante que até 93% dos homens usuários de metanfetamina relatem relações com penetração anal sem camisinha, em comparação com 50% daqueles que não fazem uso de droga para transar. (Schecke et al., 2019)

Essa proporção de uso regular em que 1 a cada 3 pessoas estabelece uma relação problemática com a droga é similar, mas não maior, que a de outras drogas de grande potencial de adicção como tabaco, crack e heroína.

Apesar do grande holofote voltado para a questão da metanfetamina, seu potencial adictivo, mesmo na população HSH, parece ser similar a do crack. Um estudo alemão que entrevistou 1050 homens homossexuais observou que dentre as pessoas que experimentaram a metanfetamina, por volta de 36% havia feito uso no último mês, enquanto a mesma proporção de pessoas que tiveram contato com a droga não fazia uso há mais de um ano (Schecke et al., 2019).  Essa proporção de uso regular em que 1 a cada 3 pessoas estabelece uma relação problemática com a droga é similar, mas não maior, que a de outras drogas de grande potencial de adicção como tabaco, crack e heroína.

Este fato, ao mesmo tempo que corrobora com a afirmação em reportagem recente que chama a metanfetamina de o “crack dos gays” (Batista Jr., 2023), também traz um questionamento sobre os motivos de um pavor tão maior em relação a metanfetamina em setores progressistas da sociedade do que se tem em relação a estas outras drogas.  Será que a melhor política pública para estas substâncias em que um terço daqueles que as experimentam desenvolvem algum tipo de uso problemático, em contrapartida com dois terços que não desenvolvem, é apontar seus riscos em tom temerário e indicar uma total abstenção dessas substâncias?

Para além disso, o que chama a atenção é que dentro deste grupo de HSH, quase todos os usuários de metanfetamina tem o uso intimamente relacionado com a atividade sexual. É interessante notar que a intoxicação por Crystal ou Tina, como também é conhecida a substância, leva a uma disfunção erétil. Assim, é muito comum a associação da metanfetamina com alguma outra droga, lícita ou ilícita, que compense esse efeito.

Se não é a facilitação física do ato sexual, o que se busca com o uso dela? E por que essa população está mais vulnerável aos seus riscos?

Opressão e sexualidade

Na mesma reportagem citada acima há algumas hipóteses, levantadas pelo psiquiatra Bruno Branquinho entrevistado para a matéria. Ele aponta para duas principais razões para que esse uso sexa mais comum entre HSH (Batista Jr., 2023).

A primeira diz respeito às violências sofridas por essas pessoas por conta da homofobia e do preconceito estrutural presente em nossa sociedade. Isso traz uma atmosfera de constante opressão relacionada à sexualidade. Como apontamos anteriormente, uma consequência é a vivência de marginalização desse desejo. Branquinho indica também que essa situação acarreta um estresse crônico, associado a dificuldades em se assumir no trabalho ou para a família. Um estudo que comparou HSH que faziam uso de metanfetamina para transar com HSH que não praticavam o Sexo Químico observou que ambos os grupos apresentavam maiores graus de depressão, somatização, ansiedade generalizada, eventos traumáticos e estresse pós-traumático quando comparados a população geral. A conclusão foi de que o uso de metanfetamina não parecia ser o principal fator a contribuir com esse quadro, indicando que vulnerabilidade geral dos HSH ao sofrimento mental (Schecke et al., 2019).

Por outro lado, também é bastante documentada a associação importante entre ser vítima de violência e desenvolver uma relação problemática com o uso de drogas. Mas, como bem discutido também na reportagem, existem outras populações que sofrem violências relacionadas com sua sexualidade e que não são praticantes do Chem Sex.

Nesse sentido, o psiquiatra aponta que a uma maior utilização de aplicativos de encontros pelos homens gays, e que esse meio é um propagador e facilitador do uso de drogas. Por fim, aponta que “alguns fetiches afloram com o uso de metanfetamina, as pessoas se sentem mais potentes e com menos dor física” (Batista Jr., 2023)

São dois apontamentos que trazem uma boa reflexão para nossas questões. Inicialmente, podemos associar o uso maior de aplicativos por HSH há uma proteção, relacionada aos riscos da expressão afetiva entre dois homens em público. De alguma forma os aplicativos trazem a mesma qualidade dos ambientes dos circuitos das festas que descrevemos mais acima, em que se pode ser menos inibido e ter uma experiência gay. Por outro lado, o uso de aplicativo muitas vezes está relacionado a uma menor pessoalidade nas relações. É comum o uso deles para encontros rápidos, voltados apenas para o ato sexual, com parceiros diversos e para uma única relação. Parece que tem aí uma certa demanda de impessoalidade.

Ao contrário dos efeitos narrados pelo uso do ecstasy, de maior intimidade e aproximação, o que se constrói a partir da intoxicação pela metanfetamina é uma experiência em que parece não importar quem é o parceiro. A droga tem um efeito que parece suprir a função que o outro desempenharia. Com a excitação sexual aumentada (artificialmente?) pelos efeitos das drogas estimulantes, o usuário não depende de características do parceiro para alcançar esse estado, nem corre o risco de que ele o broche, com a associação de outras substâncias que garantem a ereção e/ou facilitem a penetração anal.

De alguma forma, pode-se pensar que para garantir a existência da relação sexual sacrifica-se o outro. Um caminho para abordarmos esse fenômeno é a distinção da excitação sexual e da libido. Os estimulantes elevam a excitação sexual, de uma maneira que esta não precisa necessariamente estar ligada a algum traço do objeto de desejo. Essa excitação parece carecer de uma possibilidade de deslocamento psíquico para outras atividades, passando a sensação do título da reportagem citada, “tesão louco”. Como descreve um dos entrevistados: “Bastou um tio me dar um abraço para desejar Feliz Natal para eu pensar em transar com ele.” (Batista Jr., 2023)

Outra questão que essa situação põe a psicanálise é essa situação aparentemente paradoxal em que existe uma inflação de ideais, em que o usuário se apresenta como “potente”, podendo manter a excitação sexual, a ereção ou a posição passiva ne relação anal por horas e até dias, ao mesmo tempo em que parece haver essa supressão do outro e do Imaginário.

Outra questão que essa situação põe a psicanálise é essa situação aparentemente paradoxal em que existe uma inflação de ideais, em que o usuário se apresenta como “potente”, podendo manter a excitação sexual, a ereção ou a posição passiva ne relação anal por horas e até dias, ao mesmo tempo em que parece haver essa supressão do outro e do Imaginário.

Uma consequência significativa que a experiência do sexo com a metanfetamina provoca na maioria daqueles que estabelecem uma relação problemática com o Chem Sex é a dificuldade ou impossibilidade de retomar uma vida sexual sem o uso das drogas. Parece ser ao mesmo tempo penoso e sem graça a vivência do sexo sem a “potência” ou, seguindo o raciocínio, dependendo do outro para alcançar a excitação, e uma excitação que não será a mesma proporcionada pela droga.

Ainda mais quando retornam outros aspectos da sexualidade que são amenizados com o uso das drogas. Por exemplo, as inseguranças corporais, que em geral são ampliadas dentro de um circuito que culturalmente valoriza músculos bem definidos e em que a concordância de gênero entre os parceiros intensifica a comparação.

Repercussões

Praticantes do Chem Sex apontam diversos pontos positivos da prática, como maior excitação, duração prolongada da relação e desinibição.  Um estudo observou que 60% dos HSH que costumam usar drogas com o intuito de aperfeiçoar a relação sexual relatam que essa prática não mudou sua rotina, vida profissional ou relações pessoais (Evers et al., 2020).

Esse mesmo estudo, porém, apontou que até dois terços do HSH que praticam Chem Sex experenciaram suas desvantagens. A principal consequência negativa citada foram os sintomas de ressaca nos dias seguintes, como dor de cabeça, fadiga e sintomas depressivos (Evers et al., 2020).

Já discutimos o aumento de risco de transmissão de ISTs. Alguns pacientes nos relatam que a descoberta de uma infecção pelo HIV, que ainda carrega um grande estigma, foi um gatilho seja para o início ou para intensificação do uso de drogas para transar. Um estudo alemão apontou que homens que se descobrem soropositivo têm um risco aumentado para começar o consumo de metanfetamina, alguns como estratégia de elaboração do luto (Scheke et al., 2019). Esse fato corrobora com a hipótese de que em alguns casos a droga aparece como um meio para a vivência de uma sexualidade proscrita.

Outro ponto importante diz respeito a saúde mental. Para além do potencial de dependência dessas drogas, seu uso apresenta riscos significativos. O GHB é uma droga com uma janela estreita entre dose recreativa e dose tóxica, pode causar perda de consciência súbita e depressão respiratória (Carezzato, 2021).

A abstinência do GHB e, principalmente, o uso em grandes quantidades ou frequente de metanfetamina pode levar a sintomas psicóticos, em especial a paranoia e alucinações auditivas.

Mas o principal problema relacionado a esta prática é o descontrole em relação a ela. Isso pode se apresentar como um acúmulo de noites viradas, prejuízos na vida profissional com faltas e queda do desempenho, impossibilidade de ter relações sóbrio, abandono de outras atividades que não envolvam o Chem Sex e problemas financeiros decorrentes do gasto com drogas.

Barreiras no tratamento

Outro motivo que exige um olhar preocupado em relação a população de HSH que prática o sexo com drogas são as diversas barreiras que existem para aqueles que desenvolverem uma relação de adicção chegarem aos serviços de cuidado.

Uma parte significativa das pessoas que apresentam problemas associados ao Chem Sex não se entende como dependente químico e dificilmente se identifica com as pessoas que frequentam os serviços para tratamento de transtornos relacionados ao uso de álcool e outras drogas.

Como o uso, pelo menos no início do quadro, se restringe a um contexto específico, dificilmente são vistos intoxicados fora desse cenário e não falam sobre esse uso com pessoas alheias a essa prática, por se tratar de um assunto intimo, um tabu e também pelo estigma associados à sexualidade e orientação sexual.

Também por conta do preconceito, o acesso a grupos de ajuda mútua é limitado. Poucas salas são receptivas a membros da comunidade LGBTQIA+, ainda por cima para se tratar de uma situação que explicita a vida intima desse usuário. Mesmo serviços de saúde, em geral, não estão preparados para receber esses homens, pois há pouco conhecimento sobre as drogas envolvidas, não há formação para atenção as singularidades desse público, nem há grupos exclusivos para pessoas de orientação sexual diversa.

Outro ponto que complica o tratamento dessas pessoas é a dificuldade de manter relações sexuais sóbrio. Isso implica que muitas delas terão de sustentar, para além de uma abstinência das drogas, uma abstinência sexual. É desafiador formar uma aliança terapêutica que sustente o sacrifício, mesmo que passageiro, da vida sexual. Muitas das recaídas são associadas ao descontentamento de alguém que vivia uma vida sexual bastante ativa e tem que se deparar com essa privação de uma hora para outra.

Além disso, é comum a comorbidade com ISTs, o que aumenta a complexidade do caso. O estigma de ser portador do vírus do HIV pode intensificar sintomas depressivos, gerar desesperança ou mesmo estimular comportamentos de risco. Tanto a evolução dessas infecções quanto repercussões de seu tratamento podem gerar impactos. Há interação das medicações utilizadas nas ISTs crônicas com as medicações psiquiátricas assim como efeitos colaterais psiquiátricos associados ao uso delas.

Conclusão

Apesar de ainda restrito, a prática do Chem Sex chama atenção por diversos aspectos. Em relação a saúde pública, é um contexto de uso de drogas pouco comuns no Brasil como o GHB e, principalmente, a metanfetamina. Ambas são drogas com um risco associado significativo, seja por seus efeitos agudos seja por seu potencial de adicção.

Os motivos que fazem com que esta prática esteja bastante associada a um grupo de HSH trazem questões teóricas importantes, podendo contribuir tanto para a clínica das adicções como para o campo psicanalítico. Em especial o efeito da metanfetamina sobre a relação com o outro podem ajudar a compreender de que maneira os estimulantes, como o próprio Crystal mas também a cocaína e o crack, interferem na subjetividade daqueles que estabelecem uma relação problemática com essa classe de droga. Também a hiperexcitação e sua relação com a libido é um ponto de investigação, assim como o fetichismo.

Tem-se observado um aumento importante dessa prática na última década, principalmente dentro dessa população. Porém ainda são escassos os estudos e serviços preparados para receber estes pacientes, atentos as singularidades e necessidades específicas dessas pessoas.  


Referências

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Fabio Carezzato é Médico e Psiquiatra pela Universidade de São Paulo, Psiquiatra no Programa da Mulher Dependente Química (PROMUD) do IPq-USP e no Centro de Álcool e Drogas do Instituto Perdizes/HC-USP.

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