Explorando as Complexidades do Consumo de Álcool em Mulheres Idosas: Desafios e Perspectivas de Tratamento 

Vector infinite space background. Matrix of glowing stars with illusion of depth and perspective. Abstract futuristic universe on blue background with place for text. Nebula structure lattice.
Joana Marcyk
Silvia Brasiliano
Patricia Brunfentrinker Hochgraf

No cenário contemporâneo, observa-se uma notável redução da diferença no consumo de álcool entre homens e mulheres, respaldada por dados epidemiológicos brasileiros. Segundo a National Epidemiologic Survey on Alcohol and Related Conditions (NESARC), realizada nos Estados Unidos, entre 2012 e 2013, foi registrada uma prevalência de transtornos relacionados ao uso de álcool de 16,7% entre homens e 9% entre mulheres. Esses números representam um aumento de 35% entre homens e de 84% entre mulheres em relação à década anterior, sugerindo um estreitamento significativo da diferença entre os dois grupos.  

No Brasil, dados do III Levantamento Nacional sobre o Uso de Drogas na População Brasileira (LENAD III) indicam que 59% das mulheres relatam ter consumido álcool ao longo da vida, em comparação com 74,3% dos homens. Dentro desse panorama, embora os homens ainda apresentem taxas mais elevadas de consumo de álcool, o consumo excessivo de álcool e os volumes consumidos de álcool em comparação com as mulheres, assim como as taxas de prevalência, demonstram um aumento proporcionalmente superior no consumo de álcool entre as mulheres.  

Simultaneamente, identifica-se um aumento na expectativa de vida. Praticamente no mundo todo há um crescimento acentuado da população idosa. No Brasil não é diferente. Dados do último censo demográfico (IBGE, 2023) indicam que há uma tendência de envelhecimento da população brasileira. Enquanto tem havido uma diminuição significativa no percentual de homens e mulheres com até 34 anos, há um crescimento no número de pessoas em todas as faixas etárias acima dessa idade. Em 2012 a parcela das pessoas de 60 anos ou mais representava 11,3%. Em 2022 a estimativa é que essa faixa corresponda a 15,1% da população. Entre os idosos há expansão da participação das pessoas de 65 anos ou mais de idade, que atingiu 10,5% da população total em 2022.  

Também se observa uma disparidade de longevidade associada ao gênero, na qual as mulheres apresentam maior expectativa de vida, colocando-as como uma parcela significativamente maior da população idosa no Brasil. Os dados desse mesmo Censo de 2023 indicam que na população geral quantitativamente há mais mulheres do que homens (51,1% versus 48,9%) em uma razão de 95,6 homens para cada 100 mulheres. Como a mortalidade no sexo masculino é maior em todas as faixas etárias essa razão diminui no decorrer dos anos. Assim, entre os que tem mais de 60 anos a taxa observada é de 78,8 de homens para 100 mulheres e entre os que tem mais de 70 anos é menor ainda, indicando 71,4 homens para cada 100 mulheres. Esse fenômeno sugere uma possível ascensão, nos próximos anos, do número de mulheres com mais de 60 anos enfrentando transtornos associados ao uso de álcool. 

No Brasil, em estudos em diferentes municípios, encontrou-se uma taxa de abuso e provável dependência de álcool entre idosos variando entre 20,9-29,7%.  Em relação a diferença entre homens e mulheres idosos uma pesquisa realizada em Uberaba encontrou para abuso e provável dependência de álcool 34% entre os homens e 10% para as mulheres.

Pesquisas internacionais apontam que há um aumento da prevalência de transtornos relacionados ao uso de álcool entre idosos. As taxas são muito diferentes nos países e as prevalências para o beber pesado variam de 10-34% entre homens idosos e 6-32% nas mulheres. No Brasil, em estudos em diferentes municípios, encontrou-se uma taxa de abuso e provável dependência de álcool entre idosos variando entre 20,9-29,7%.  Em relação a diferença entre homens e mulheres idosos uma pesquisa realizada em Uberaba encontrou para abuso e provável dependência de álcool 34% entre os homens e 10% para as mulheres.

As mulheres apresentam uma maior susceptibilidade aos efeitos negativos de longo prazo do consumo de álcool na saúde, desenvolvendo problemas médicos relacionados ao uso de álcool após períodos mais curtos e com níveis mais baixos de consumo em comparação com os homens. Esse fenômeno é atribuído a razões fisiológicas, das quais podemos destacar três principais. A primeira delas está associada a composição corporal das mulheres, caracterizada por uma menor volemia (volume sanguíneo total) e uma maior proporção de gordura corporal em comparação com os homens. Tal diferença resulta em uma maior concentração de álcool no sangue e na acumulação de seus metabólitos nos órgãos do corpo. A segunda razão remonta aos menores níveis de enzima álcool desidrogenase, presente na mucosa do estômago e responsável pela metabolização do álcool, culminando em uma metabolização mais lenta do álcool no organismo feminino em comparação com o masculino. Por fim, a terceira diferença fisiológica se refere a variação hormonal das mulheres, em que níveis de estrogênio e progesterona exercem influência sobre a resposta do organismo feminino ao álcool. 

Outra distinção de suma importância reside na evolução do uso do álcool entre as mulheres, evidenciando uma progressão mais acelerada e grave. Notavelmente, identifica-se que as mulheres desenvolvem sintomas e transtorno decorrentes do uso de álcool em um intervalo de tempo menor desde o início do consumo, em comparação com os homens.  Esse fenômeno foi originalmente descrito em 1989 por Piazza e recebe o nome de telescoping effect. Assim, mulheres apresentam um maior risco de desenvolver doenças hepáticas, doenças cardiovasculares, doenças renais e câncer de mama em razão do consumo excessivo de álcool. 

Com o envelhecimento, essa vulnerabilidade das mulheres diante dos efeitos negativos do álcool é exacerbada, resultando em um impacto ainda mais acentuado sobre o organismo da mulher idosa. Esse fenômeno se deve a uma multiplicidade de fatores, incluindo a ampliação das diferenças na composição corporal, o que compromete ainda mais a metabolização do álcool e intensifica os seus efeitos nocivos. Um aspecto de considerável relevância é a manifestação e o agravamento das quedas, que se revelam particularmente prejudiciais para mulheres na fase da menopausa e pós-menopausa, em virtude do início e consequências da osteoporose, que se apresenta de forma mais severa em mulheres em comparação com homens na mesma faixa etária.  

Adicionalmente, destaca-se o acentuado risco de interações medicamentosas, uma preocupação de saúde de extrema importância, especialmente em mulheres idosas, em que a automedicação é prevalente. Importa ressaltar que a diminuição dos níveis de estrogênio em mulheres pós-menopausa também contribui para aumento do risco de desenvolvimento de transtornos relacionados ao do álcool, além de estar associado a uma maior mortalidade global. Dado brasileiro recente aponta que as internações por problemas atribuíveis parcial ou totalmente ao álcool aumentou consideravelmente na população de adultos com idade igual ou superior a 55 anos entre os anos de 2010 e 2021. Nesta faixa etária enquanto para os homens a taxa permaneceu estável, para as mulheres houve um aumento significativo, o que pode sugerir um aumento da morbidade entre elas. No que se refere a taxa de óbitos, houve uma diminuição naqueles atribuíveis ao álcool, com exceção dos adultos de 55 anos ou mais onde notou-se um crescimento variando de aproximadamente 41% em 2010 para 53% em 2021. 

Além dos determinantes físicos e biológicos, é importante reconhecer as mudanças de vida específicas que marcam o curso do envelhecimento feminino, as quais estão intrinsecamente ligadas à saúde, estilo de vida, responsabilidades familiares, papéis ocupacionais e redes de apoio. Eventos como mudanças no estado civil, com viuvez ou separação, na função parental, caracterizado pela saída dos filhos de casa (sensação de ninho vazio), e a entrada na aposentadoria podem desencadear ou agravar transtornos relacionados ao uso de álcool entre mulheres idosas. 

Eventos como mudanças no estado civil, com viuvez ou separação, na função parental, caracterizado pela saída dos filhos de casa (sensação de ninho vazio), e a entrada na aposentadoria podem desencadear ou agravar transtornos relacionados ao uso de álcool entre mulheres idosas. 

Dentro do espectro das transformações relacionadas à saúde física durante o processo de envelhecimento feminino, uma análise mais ampla revela um panorama complexo. Além das experiências de dor crônica, que são frequentemente encontradas, uma série de outros fatores contribui para a percepção geral de bem-estar físico e mental entre as mulheres idosas. Primeiramente, é fundamental considerar a interação entre as condições de saúde crônicas e o envelhecimento. À medida que as mulheres envelhecem, a incidência de doenças crônicas, como diabetes, hipertensão, doenças cardíacas e artrite, tende a aumentar. Essas condições não apenas causam experiência de dor física, mas também impactam significativamente a qualidade de vida e a capacidade funcional das mulheres idosas.  

Ademais, o aumento do estresse é uma realidade comum para muitas mulheres idosas, especialmente aquelas que acumulam uma série de responsabilidades. O estresse crônico não apenas exacerba as condições de saúde existentes, mas também pode contribuir para o desenvolvimento de problemas de saúde mental, como ansiedade e depressão.  

A diminuição da mobilidade, acrescente-se, é outro aspecto relevante que precisa ser considerado, sendo comum que as mulheres experimentem uma redução na flexibilidade, força muscular e equilíbrio com o avançar da idade, o que pode aumentar o risco de quedas e lesões. Essa diminuição na mobilidade não apenas limita a independência e a autonomia das mulheres idosas, mas também pode levar a um maior isolamento social e uma diminuição na participação em atividades físicas e sociais.  

Por fim, é crucial reconhecer o declínio geral na saúde que muitas mulheres enfrentam à medida que envelhecem. Isso pode incluir uma variedade de sintomas físicos e mentais, como fadiga, distúrbios do sono, perda de memória e cognição reduzida. Essas mudanças podem afetar profundamente a qualidade de vida das mulheres idosas e influenciar suas escolhas e comportamentos relacionados à saúde, incluindo o uso de álcool como mecanismo de enfrentamento. 

A menopausa também é um estágio crucial na vida de uma mulher, marcado não apenas por mudanças físicas, como também por uma série de desafios psicossociais. Além das alterações hormonais e sintomas físicos associados, como ondas de calor, a menopausa pode desencadear uma variedade de impactos psicológicos e emocionais. Para muitas mulheres, esse período pode estar associado a uma sensação de deslocamento social. Mudanças na identidade relacionadas à percepção de envelhecimento e ao fim do período reprodutivo podem gerar sentimentos de desconexão ou inadequação social, contribuindo para a vulnerabilidade emocional. Além disso, a menopausa está frequentemente associada ao surgimento de depressão, ansiedade e estresse, em razão das flutuações hormonais que podem desencadear alterações no humor.  

É importante destacar outro aspecto de fundo, que é a diminuição da libido e as alterações na função cognitiva e na velocidade de processamento, que podem afetar a autoestima e a autoimagem das mulheres durante a menopausa, levando a sentimentos de constrangimento e inadequação. Todas essas mudanças podem impactar negativamente a qualidade de vida, aumentando a vulnerabilidade ao uso problemático de álcool como mecanismo de enfrentamento. 

No contexto da transição para a aposentadoria, é essencial destacar seu impacto multifacetado na vida das mulheres idosas. A cessação das atividades laborais muitas vezes desencadeia uma reavaliação profunda da identidade e do propósito de vida. A perda do papel ocupacional, que por tanto tempo definiu suas rotinas e identidades sociais, pode gerar uma sensação de desorientação, vazio existencial e até falta de propósito. Paradoxalmente, embora a aposentadoria prometa um tempo livre mais abundante, a gestão desse tempo pode tornar-se uma tarefa desafiadora, especialmente quando desprovida das estruturas e compromissos fornecidos pelo trabalho. Ademais, a transição para a aposentadoria pode acarretar consequências socioeconômicas significativas, incluindo a deterioração do status financeiro e social. A redução ou a cessação da renda proveniente do trabalho, consequência da aposentadoria, pode resultar em estresse financeiro, insegurança econômica e uma sensação de desvalorização social, onde esses fatores podem contribuir para a vulnerabilidade das mulheres idosas ao uso excessivo de álcool. Portanto, é imprescindível reconhecer a aposentadoria como um período de ajuste psicossocial crítico para as mulheres idosas, onde a preservação da identidade, a busca por novos propósitos e a gestão eficaz do tempo livre se revelam desafios cruciais. Intervenções destinadas a apoiar a adaptação saudável à aposentadoria e a promover a participação ativa em atividades socialmente enriquecedoras podem ajudar a mitigar os riscos associados ao uso excessivo de álcool nesse segmento da população feminina. 

A experiência de perdas de entes queridos são eventos especialmente relevantes para mulheres idosas, podendo desencadear um processo de luto complicado que, por sua vez, está associado ao aumento do risco de depressão, ansiedade e abuso de substâncias, incluindo o álcool. Entre as perdas mais frequentemente vivenciadas por mulheres idosas, a morte do cônjuge é uma das mais impactantes. A ausência repentina de um parceiro de vida pode desencadear sentimentos de solidão e desamparo intenso, podendo ser um gatilho para o surgimento ou agravamento quadros psiquiátricos. 

A mudança de papel parental, especialmente com a saída dos filhos de casa, pode desencadear uma série de desafios emocionais para as mulheres idosas. Esse período, é marcado pelo fim de um papel parental ativo e pela redefinição dos relacionamentos familiares. Para muitas mulheres idosas, a presença dos filhos em casa desempenha um papel central em suas vidas e identidades, conferindo-lhes um senso de propósito e significado. Portanto, quando os filhos partem, essas mulheres podem sentir um vazio emocional e uma sensação de perda, a síndrome do ninho vazio, às vezes acompanhados por sentimentos de solidão e desamparo. 

Todas essas causas sensíveis para a população de mulheres idosas podem ser desencadeadoras de um uso problemático de álcool com surgimento de início tardio. Muitas vezes o álcool é usado como uma espécie de remédio para as situações de angústia e solidão. A idosa procuraria distração, prazer e diversão através da bebida, bem como fuga ou esquecimento dos problemas do cotidiano. 

Estudos sugerem que frequentemente mulheres desenvolvem um uso abusivo de álcool pela primeira vez após os 60 anos, sem nenhum histórico prévio de uso problemático de álcool anteriormente. Considerando-se uma possível instalação de um consumo problemático de álcool com o avançar da idade, aponta-se a necessidade aumentada de um rastreio ativo de uso de álcool direcionado a mulheres idosas em ambientes de atenção primária a saúde. Essas circunstâncias demandam uma análise minuciosa de suas possíveis repercussões, ampliando a compreensão das interações entre eventos de vida e consumo de substâncias. 

Estudos sugerem que frequentemente mulheres desenvolvem um uso abusivo de álcool pela primeira vez após os 60 anos, sem nenhum histórico prévio de uso problemático de álcool anteriormente. Considerando-se uma possível instalação de um consumo problemático de álcool com o avançar da idade, aponta-se a necessidade aumentada de um rastreio ativo de uso de álcool direcionado a mulheres idosas em ambientes de atenção primária a saúde.

O acesso ao tratamento para o alcoolismo em mulheres idosas é frequentemente dificultado por uma série de obstáculos que vão desde questões estruturais até fatores socioculturais e estigmas associados ao gênero e à idade. Uma das barreiras mais significativas é a priorização dos serviços de saúde generalistas em detrimento do tratamento especializado para o alcoolismo. Muitas mulheres idosas acabam buscando cuidados de saúde para problemas relacionados ao envelhecimento ou a outras condições médicas crônicas, minimizando o consumo de álcool e o seu impacto. Isso tem contribuído para o subdiagnóstico e o subtratamento do alcoolismo, pois os sintomas muitas vezes são atribuídos a outras causas, como problemas de saúde física ou emocional associados ao envelhecimento. 

Além disso, o estigma social em torno do consumo de álcool em mulheres idosas pode desencorajar a busca por tratamento. As expectativas de gênero e as normas sociais frequentemente perpetuam a ideia de que as mulheres mais velhas não são afetadas pelo alcoolismo, o que pode levar à minimização do problema tanto por parte das mulheres quanto dos profissionais de saúde. 

A falta de conscientização entre os profissionais de saúde também é uma barreira significativa. Muitos médicos e outros profissionais de saúde podem não estar adequadamente treinados para reconhecer os sinais e sintomas do alcoolismo em mulheres idosas ou podem subestimar a gravidade do problema devido a preconceitos de idade e gênero. 

Além desses fatores, as dificuldades logísticas, como problemas de transporte, podem impedir o acesso ao tratamento. Mulheres idosas, especialmente aquelas que vivem em áreas rurais ou urbanas com acesso limitado ao transporte público, podem enfrentar dificuldades em chegar aos centros de tratamento ou em manter o acompanhamento  constante. 

O tratamento especializado do alcoolismo feminino demanda uma abordagem multiprofissional, com profissionais de diferentes áreas, como psiquiatria, psicologia, nutrição, terapia familiar, assistência social, assistência jurídica, enfermagem, educação física e terapia ocupacional, desempenhando papéis essenciais. Ambientes de tratamento exclusivamente femininos têm se mostrado particularmente eficazes, oferecendo um espaço seguro e acolhedor que melhora a adesão das mulheres em comparação com espaços de tratamento mistos (homens e mulheres). O diagnóstico e tratamento de comorbidades psiquiátricas são fundamentais para o sucesso do tratamento do alcoolismo feminino. Além disso, o tratamento farmacológico pode ser necessário para controlar sintomas de fissura e abstinência. Tanto a psicoterapia de linha psicodinâmica quanto a cognitivo-comportamental desempenham papéis importantes no tratamento do alcoolismo feminino. Enquanto a psicoterapia psicodinâmica aborda as questões subjacentes que levam ao uso de álcool e promove a ressignificação das relações e eventos de vida, a terapia cognitivo-comportamental se concentra na prevenção de recaídas e no desenvolvimento de habilidades de enfrentamento saudáveis. A participação em grupos de apoio como Alcoólicos Anônimos de formação exclusivamente feminina, também pode desempenhar um papel importante para o tratamento. 

Os estudos sobre alcoolismo feminino tiveram início na segunda metade do século 20, mas somente neste século é que a pesquisa de todos os seus aspectos têm se tornado mais frequentes. Apesar disso, a literatura é ainda muito menor sobre as mulheres que sobre os homens. Uma das razões que pode explicar essa diferença é o estigma e o preconceito associado ao uso e abuso de álcool e outras drogas em mulheres. A associação com promiscuidade, agressividade, obscenidade, vulgaridade são comuns na nossa sociedade.  

Dados brasileiros de 2023 do Panorama de Álcool e Saúde indicam que as crenças sobre os padrões e comportamentos das mulheres quando bebem são geralmente influenciadas pelo machismo estrutural, mais que sobre dados epidemiológicos, fisiológicos ou efeitos biológicos. Assim se manifesta, por exemplo, uma entrevistada, na referida pesquisa: 

“Eu acho que, por uma questão de posição na sociedade, a gente sabe que o machismo está aí e que, às vezes, o homem tem uma posição acima da mulher, mas isso é um padrão imposto pela sociedade. Então, acredito que por isso os homens bebam mais do que a mulher. (…) Tem mais homem que está no bar e mulher que está em casa.” (EP, mulher, 26 a 34 anos, classe C, São Paulo, consumidor moderado)”. 

Andrade, 2023, p. 44

Se a literatura sobre as mulheres dependentes de álcool ainda necessita de muitos incrementos, é notável a escassez de estudos sobre essa problemática na terceira idade. Essa lacuna parece refletir ou um estigma ou mesmo um tabu, tanto associados ao uso de substâncias por mulheres, quanto aos relacionados às questões femininas na terceira idade. Esses fatores contribuem para que o alcoolismo feminino muitas vezes seja completamente ignorado e, consequentemente, negligenciado. Em função desses estigmas e devido às dificuldades de acesso ao tratamento, o subdiagnóstico e a falta de treinamento das equipes de saúde esse transtorno pode desenvolver-se de maneira silenciosa, agravando a morbidade e a mortalidade. Como dizem Silva e Dias (2022), trata-se de uma “epidemia invisível” que tende a crescer na medida em que aumenta a longevidade. 

É importante reconhecer que as mulheres idosas enfrentam desafios únicos em relação ao alcoolismo, incluindo mudanças fisiológicas associadas ao envelhecimento e alterações nas circunstâncias de vida. No entanto, a falta de estudos focados nessas questões específicas limita nossa compreensão e capacidade de desenvolver intervenções eficazes. A escassez de pesquisas que avaliem as diferenças de resposta ao tratamento do transtorno por uso de álcool em mulheres de diferentes faixas etárias é particularmente preocupante. Estudos que investigam características clínicas específicas associadas a diferentes fases da vida das mulheres podem ser essenciais para o desenvolvimento de modelos de tratamento mais adequados e eficazes. Além disso, a compreensão das diferenças na resposta ao tratamento ao longo do ciclo de vida da mulher pode informar estratégias de intervenção mais personalizadas e eficazes. 

Embora algumas análises preliminares sugiram que mulheres mais velhas podem responder melhor ao tratamento específico do transtorno por uso de álcool em comparação com mulheres mais jovens, mais pesquisas são necessárias para entender completamente essa dinâmica. É fundamental expandir o corpo de pesquisa sobre o abuso e a dependência de álcool em mulheres idosas, a fim de desenvolver melhores práticas clínicas e aumentar a conscientização e a sensibilidade das equipes de saúde para esse problema. 

É fundamental expandir o corpo de pesquisa sobre o abuso e a dependência de álcool em mulheres idosas, a fim de desenvolver melhores práticas clínicas e aumentar a conscientização e a sensibilidade das equipes de saúde para esse problema. 

A complexidade do tratamento do alcoolismo feminino na terceira idade, aliada à falta de pesquisas nesta área, destaca a necessidade urgente de ampliar o foco em pesquisa nesse campo. Por suas múltiplas repercussões fisiológicas, psicológicas, familiares e sociais o alcoolismo no idoso é um problema de saúde pública, que pode se beneficiar significativamente de um melhor entendimento das complexidades subjacentes do alcoolismo na mulher idosa, tanto do ponto de vista psicológico quanto físico.  

Portanto, é imperativo investir em estudos específicos voltados para essa população, a fim de desenvolver intervenções preventivas eficazes para que se possa identificar e lidar com os fatores de risco de abuso de álcool e abordagens de tratamento mais adequadas para mulheres idosas que enfrentam o alcoolismo.  


Referências

Al-Otaiba, Z.; Epstein, E. E.; McCrady, B.; Cook, S. (2012). Age-based differences in treatment outcome among alcohol-dependent women. Psychology of Addictive Behaviors. 26(3):423-31. 

Andrade, A. G. (org.). (2023). Álcool e saúde dos brasileiros: Panorama 2023. São Paulo: CISA. 112 p. Disponível em cisa.org.br/images/upload/Panorama_Alcool_ Saude_ CISA2023.pdf. Acessado em 24.03.2024. 112p.  

Bastos, F. I. P. M. et al. (2017). III Levantamento Nacional sobre o uso de drogas pela população brasileira. Rio de Janeiro: FIOCRUZ/ICICT. 528 p. 

Blow, F. C. (2000). Treatment of older women with alcohol problems: meeting the challenge for a special population. Alcohol Clinical and Experimental Research. 24(8):1257-66. 

Blow, F. C.; Barry, K. L. (2002) Use and misuse of alcohol among older women. Alcohol Research & Health. 26(4):308-15. PMID: 12875042; PMCID: PMC6676682. 

Borim, F. S. A,; Barros, M. B. A,; Botega, N. J. (2013). Transtorno mental comum na população idosa: pesquisa de base populacional no Município de Campinas, São Paulo, Brasil. Cadernos de Saúde Pública. 29(7):1415-26. Disponível em: https://dx.doi.org/10.1590/S0102. Acesso em 26.03.2024. 

Carezzato, F.; Cardoso, F.; Bacchi, P. S. (2023). Epidemiologia, diagnóstico e especificidade da mulher dependente química. In: Hochgraf, P. B.; Brasiliano, S. (orgs). Álcool e drogas: uma questão feminina. São Paulo: Red Publicações. p. 25-42. 

Clemens, S.; Matthews, S.; Young, A. J. R. (2007). Powers, alcohol consumption of Australian women: results from the Australian Longitudinal Study on Women’s Health. Drug and Alcohol Review. 26: 525 – 535. 

Dias, E. G.; Andrade, F. B.; Duarte, Y. A. O.; Santos, J. L. F.; Lebrão, M. L. (2015). Advanced activities of daily living and incidence of cognitive decline in the elderly: the SABE Study. Cadernos de Saúde Pública. 31(8):1623-35. Disponível em: https://dx.doi.org/10.1590/0102-311X00125014.  

Dias, W. M.; Silva, E. N. (2022). O alcoolismo em pessoas idosas: uma questão de saúde pública. BIUS – Boletim Informativo Unimotrisaúde em Sociogerontogia. 35(29). Disponível em https://periodicos.ufam.edu.br/index.php/BIUS/article/view/11205. Acessado em 22.03.2024. 

Epstein, E. E.; Fischer-Elber, K.; Al-Otaiba, Z. (2007). Women, aging, and alcohol use disorders. Journal of Women & Aging.;19(1-2):31-48. 

Erol, A.; Karpyak, V. M. (2015). Sex and gender-related differences in alcohol use and its consequences: Contemporary knowledge and future research considerations. Drug and Alcohol Dependence. 156:1-13.  

Grant, B. F.; Goldstein, R. B. Saha, T. D. Chou, S. P.; Jung, J.; Zhang, H. et al. (2017). Prevalence of 12-month alcohol use, high-risk drinking, and DSM-IV Alcohol Use Disorder in the United States, 2001-2002 to 2012-2013: results from the National Epidemiologic Survey on Alcohol and Related Conditions. JAMA Psychiatry.74(9):911-23. 

Guimarães, M. S, F.; Tavares, D. M. S. (2019). Prevalência e fatores associados ao abuso e provável dependência de álcool entre idosos. Texto & Contexto Enfermagem.28:1-16. e20180078. DOI http://dx.doi.org/10.1590/1980-265X-TCE-2018-0078. Acessado em 27.03.22024. 

Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) (2023). Censo demográfico 2022 – População por idade e sexo. Rio de Janeiro: IBGE. 

Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) (2020). Pesquisa Nacional de Saúde: 2019: percepção do estado de saúde, estilos de vida, doenças crônicas e saúde bucal: Brasil e grandes regiões.  Rio de Janeiro: IBGE, Coordenação de Trabalho e Rendimento. 113p. 

Kano, M. Y.; Santos, M. A.; Pillon, S. C. (2014). Use of alcohol in the elderly: transcultural validation of the Michigan Alcoholism Screening Test – Geriatric Version (MAST-G). Revista da Escola de Enfermagem da USP. 48(4):648-55. Disponível em: https://dx.doi.org/10.1590/S0080-623420140000400011. 

Mäkelä, P.; Tigerstedt, C.; Mustonen, H. (2012). The Finnish drinking culture: change and continuity in the past 40 years. Drug and Alcohol Review. 31(7): 831-40. 

Milic, J.; Glisic, M.; Voortman, T. et al. (2018). Menopause, ageing, and alcohol use disorders in women. Maturitas. https://doi.org/10.1016/j.maturitas.2018.03.006.   

Moura, S. G.; Tura, L. F. R.; Moreira, M. A. S. P.; Marques, M. C. M. P.; Nogueira, J. A.; Silva, A. L. O. (2023). Representações sociais e idosos sobre o alcoolismo. Revista Ibero-Americana de Saúde e Envelhecimento. 9(3):121-136. 

National Institute on Drug Abuse (NIDA). (2015). Sex and gender differences in substance use. Disponível em: http://ww.drugabuse.goc/ publications/ drugfacts/ substance-use-in-women. Acessado em 19.03.2023. 

Oliveira, J. B.; Santos, J. L F.; Kerr-Corrêa, F.; Simão, M. O.; Lima, M. C. P. (2011). Alcohol screening instruments in elderly male: a population-based survey in metropolitan São Paulo, Brazil. Revista Brasileira de Psiquiatria. 33(4):347-52. Disponível em: http://repositorio.unesp.br/handle/11449/12385 

Oliveira, M. C.; Santos, A. A. M.; Suen, P. J. C.; Silva, J. C. A. O.; Vides, M. C. (2023). Alcoolismo na mulher idosa. In: Hochgraf, P. B.; Brasiliano, S. (orgs). Álcool e drogas: uma questão feminina. São Paulo: Red Publicações. p. 245-259. 

Pinho, R. J. (2012). Prevalência e fatores associados ao uso de álcool entre idosos do município de São Paulo-SP, Estudo SABE.  (Dissertação de Mestrado).  Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Faculdade de Medicina de Botucatu. Botucatu, São Paulo. 

Tigerstedt, C.; Härkonen, J.; Mäkelä, P.; Parikka, S.; Vilkko, A. (2020). Drinking patterns among Finns aged 60 years and over from the 1990s onwards. Nordic Studies on Alcohol and Drugs. 37(5): 470–480. 

Vestal, R. E.; McGuire, E. A;. Tobin, J. D., et al. (1997). Aging and ethanol metabolism. Clinical and Pharmacological Therapy. 21(3):343-54.  


Joana Marcyk é Psiquiatra. Médica assistente do Programa da Mulher Dependente Química (PROMUD), da Enfermaria de Comportamentos Impulsivos (ECIM) e das Interconsultas Psiquiátricas do IPq-HC-FMUSP. Email: marczyk.joana@gmail.com
Silvia Brasiliano é Psicóloga. Psicanalista. Coordenadora do Programa da Mulher Dependente Química (PROMUD) do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP (IPq – HC – FMUSP). Doutora em Ciências pela FMUSP. Sócia fundadora da ABRAMD e membro da ABRAMD Clínica. Coautora do livro Álcool e Drogas: uma questão feminina. Email: brasili@netway.com.br 
Patricia Brunfentrinker Hochgraf é Médica assistente e Coordenadora do Programa da Mulher Dependente Química (PROMUD) do IPq- HC- FMUSP. Doutora em psiquiatria e Professora Colaboradora da FMUSP. Sócia fundadora da ABRAMD. Coautora do livro: “Álcool e Drogas: uma questão feminina”, E-mail: patriciahochgraf@gmail.com

Seja o primeiro a comentar

Faça um comentário

Seu e-mail não será publicado.


*